Morte de bebê indígena após suposta negligência médica expõe dor e apagamento cultural
Foto: Arquivo Pessoal

O que seria um dia de celebração para a família da pequena Joana Garcia Campos, bebê indígena da etnia Macuxi, tornou-se mais uma etapa do luto e da luta por justiça. JoJo, como era chamada carinhosamente, completaria dois anos na última quinta-feira (7), ao lado da irmã gêmea Cecília. Mas a vida da criança foi interrompida precocemente no fim de julho, após atendimentos considerados negligentes na UPA Pediátrica de São Pedro da Aldeia.

A tragédia, além de devastar emocionalmente os pais, escancarou o que a família chama de violência médica, institucional e cultural. A mãe, Christinny Garcia, de 27 anos, estudante, e o pai, Ricart de Oliveira Campos, de 29, motorista, relatam que Joana foi duas vezes à UPA com sintomas como febre, fraqueza e dificuldades respiratórias, nos dias 24 e 27 de julho. Mesmo com a piora do quadro, a bebê foi classificada como caso de baixa prioridade (classificação “verde”) e liberada sem maiores exames ou internação.

Segundo os pais, procedimentos como soro e nebulização foram feitos sem prescrição médica, contrariando protocolos. No dia 28, JoJo deu entrada em estado gravíssimo no Hospital Pediátrico Lagos, vindo a falecer após sofrer três paradas cardiorrespiratórias. A causa da morte foi sepse pulmonar e choque séptico, segundo a unidade.

O prontuário, de acordo com a família, apresenta inconsistências, como medicamentos não registrados, horários alterados e até anotações de outras crianças. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil, acompanhado pela Defensoria Pública, mas sem laudo oficial até o momento.

Luto duplo: perda da vida e da cultura

A dor da perda se agravou ainda mais quando a família foi impedida de realizar o ritual de cremação, essencial na espiritualidade indígena do povo Macuxi. A funerária se recusou a proceder com a cremação, exigindo uma liminar judicial — que não pôde ser obtida em tempo hábil, diante da liberação do corpo e da exaustão emocional da família.

“Nos tiraram o corpo e o espírito da nossa filha. A cremação seria o retorno dela à Mãe Terra. Mas fomos impedidos. Isso é apagamento”, desabafa Christinny.

Sem alternativas, os pais se viram forçados a enterrar Joana no Cemitério de Inhaúma, no Rio de Janeiro, no sábado (9). Durante a cerimônia, um gesto simbólico de afeto: a canção favorita da menina, Mãe Terra – A Hora do Blec, foi tocada como despedida.

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“Ela era filha da floresta”

Joana nasceu em Roraima, terra tradicional do povo Macuxi, e vivia com a família entre a capital fluminense e a Região dos Lagos. Sua morte e a condução dos fatos revelam, segundo os pais, o desrespeito ao direito à identidade cultural indígena, especialmente em momentos de fragilidade.

“Ela não era só minha filha. Era filha da floresta. E nos foi arrancada de uma forma que nem sequer conseguimos nos despedir como nosso povo ensina”, afirmou a mãe.

O que dizem as instituições

A Fundação Saúde, responsável pela administração das UPAs no Estado do Rio de Janeiro, informou que instaurou sindicância para apurar detalhadamente os atendimentos prestados na UPA de São Pedro da Aldeia. Segundo a nota, todas as unidades seguem o Protocolo Estadual de Classificação de Risco. A fundação lamentou a morte da criança e se solidarizou com os familiares.

O Hospital Pediátrico Lagos declarou que a paciente chegou à unidade em parada cardiorrespiratória, sendo atendida com manobras de reanimação, entubação e ventilação mecânica. A unidade afirmou ainda que a declaração de óbito foi emitida no ato e que a família solicitou a remoção do corpo para o IML, o que gerou orientações adicionais da assistente social sobre o registro de ocorrência policial.

Um aniversário marcado pela ausência

A quinta-feira (7), que marcaria o segundo ano de vida das gêmeas Joana e Cecília, foi vivida em silêncio e dor. “Eu não sei como comemorar a vida de uma filha com a outra morta. Estou devastada. Mas devastada não parece ser uma palavra suficiente”, desabafou Christinny.

O caso de JoJo levanta questionamentos não apenas sobre falhas médicas, mas também sobre o direito à saúde com respeito à diversidade cultural. A família agora clama por justiça, reconhecimento e dignidade na memória de sua filha.


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